- @dr_arquetipo
- Posts
- O caos enquanto criatura a ser combatida: o que aprendi com storytelling e Robin Hood
O caos enquanto criatura a ser combatida: o que aprendi com storytelling e Robin Hood
O tempo vai passar, e vai chegar um momento em que a morte vai te alcançar, organize a própria vida para ser vivida como deve, em sua plenitude.

Saudações,
Trouxe recentemente, quando abordei o guardião do limiar, as palavras de Joseph Campbell, no livro O herói de mil faces: "esses defensores guardam o mundo nas quatro direções". Na ocasião, mencionei que a partir do limiar, tudo pode acontecer, e isso assusta a maioria das pessoas. E as pessoas que têm medo dificilmente alcançam o sucesso em sua jornada. O texto de hoje é uma tentativa de mostrar para você que o caos que está lá fora, na verdade, não existe; é fruto da sua imaginação e tem que ser combatido. Trago um método para isso. Espero que goste.
Boa leitura.
O caos projetado torna-se imagem, cria-se a criatura em imagem, fortalecendo-a quando comungada socialmente. Este raciocínio vai ao encontro do que Bauman (2008) destaca sobre aquilo que o homem desconhece, fazendo-o conhecer: o que infringe as leis é criminoso, o que vai contra o conceito religioso é determinado como pecado, e se ainda assim permanecer desconhecido, o homem simplesmente chama de mal. Nesta mesma perspectiva, Maffesoli (2003, p. 92) salienta que "a lei, seja ela qual for, só vale contrabalanceada pelo seu contrário. O mesmo ocorre com o valor social determinado." Nas palavras de Durand (2012, p. 123), "a hipérbole negativa não passa de pretexto para a antítese." De certo modo, apreende-se o que é bem e ao mesmo tempo o que é mal, o que é correto e o que é pecado, o que é legal e o que é ilegal; apreendem-se as antíteses que se complementam. Nietzsche (2005) aponta que os dois valores opostos, bom e mau, bom e malvado, travam uma guerra há milhares de anos. Na mesma perspectiva, Ricoeur (1988, p. 45) observa que na narrativa bíblica da Gênese, Deus combate o mal referenciado como "caos original."
Ufa... é muito pensador pensando sobre o mal e sobre o caos e pensando como que essas imagens são construídas. Inclusive, o trecho acima faz parte da minha dissertação, A análise do fortalecimento da imagem do vilão mediante o medo expresso nas tecnologias do imaginário. Na ocasião, estudei como a imagem transmitida através de um mito primordial, resgatando isso, descobri como a narrativa construída e esse arquétipo poderiam dar significância para determinada comunicação. Claro que eu olhei para o jornalismo e como esse construir da notícia era transpassado pela narrativa mítica do caos. Vamos entender melhor esse fortalecimento da imagem a partir da lenda de Robin Hood, também trecho da minha dissertação de mestrado.
Robin Hood e o fortalecimento da imagem do caos
Na versão ilustrada de Bandeira (2003), a história de Robin Hood se passa no contexto onde a cidade é comandada pelo Xerife de Nottingham e pelo Bispo de Hereford. O autor (2003) enfatiza que o pai do arqueiro foi injustamente preso pelo Xerife e morreu na prisão; após o acontecido, Robin se esconde na Floresta de Sherwood e jura vingança. "E acabou a alegria do xerife e do bispo malvado" (BANDEIRA, 2003, p. 9).
Lobato (1980) descreve que o xerife, o Bispo e o Príncipe João fizeram maldades contra o povo: usurparam terras, prenderam inocentes e cobraram altos impostos. E, por isso, Robin rouba deles para devolver aos pobres.
Na narrativa (re) contada por Pyle (2009, p. 17), Robin tornara-se fora da lei quando ia para um concurso de arco e flecha e teve um embate com um guarda florestal, da mesma forma que conta Lobato (1980). Na disputa, o jovem mata um cervo real e o guarda que o desafia. A partir de então, é declarado criminoso e se esconde na floresta.
Dumas (2014) narra a resistência dos saxões e a vitória dos Normandos, restando aos derrotados viver em uma comunidade na floresta. O personagem é feito líder por indicação de João Pequeno, o mais forte dentre eles: “ele, Robin Hood, meus amigos, é um verdadeiro saxão, e, além disso, um bravo. Tem a discrição e o bom senso de um ancião”. Além de João Pequeno, há outros personagens que auxiliam o arqueiro, a exemplo de Frei Tuck e Will Escarlate.
Os quatro (re) contadores da lenda ressaltam a imagem dos antagonistas de Robin Hood como sendo de pessoas más. Por meio das palavras, a informação difundida define qual a intensidade com que a imagem do vilão será fortalecida no imaginário. De modo que a existência de personagens com a imagem mais fortalecida de vilões, deixam dúvida perante a imagem do arqueiro.
Vendas e o fortalecimento da imagem do caos
O caos pode ser criado enquanto imagem para fazer um chamado ao herói para que siga a jornada. Em vendas, os vendedores de sucesso fazem isso; eles criam o caos para o potencial cliente visualizar como seria sem o produto ou serviço oferecido. Na minha tese de doutorado abordo isso.
É possível criar mensagens claras para atrair a atenção dos clientes para a marca e desenvolver negócios, no entendimento de Miller (2019), com um método que faz uso de sete elementos do storytelling. O método Storybrand, desenvolvido por Donald Miller (2019), se resume a construir uma narrativa para o produto. Essa história é formada pela seguinte sequência: uma personagem tem um problema e encontra um guia que tem um plano e o chama para agir. Isso o ajuda a evitar o fracasso e/ou terminar com sucesso. O princípio inicial do método Storybrand é considerar o cliente como o herói da própria história. Para tal, é preciso entender o que o cliente deseja; só então é possível ativar uma pergunta, uma dúvida em sua mente, o que o convida para conhecer a marca e saber como ela é capaz de resolver o problema enfrentado por ele. “Para uma marca, é importante definir algo que seu cliente deseje, pois com isso colocamos em sua mente um aspecto importante das histórias: Essa marca pode realmente me ajudar a obter o que desejo?” (MILLER, 2019, p. 45).
Quando a narrativa conversa com o cliente, quando fala sobre os problemas que o cliente vivencia, a narrativa faz sentir que a marca o conhece e o deixa interessado na solução ofertada. Essa história precisa de um vilão para criar um conflito a ser superado. Sendo assim, é preciso vilanizar os desafios que o potencial cliente enfrenta, pois isso o força a buscar uma ferramenta para vencer o vilão, de acordo com Miller (2019). Esse processo torna a marca um guia que passa confiança e fornece ferramentas, sabedoria e motivação para que o cliente consiga superar os vilões e alcançar os desejos. Nesse modelo narrativo, o cliente precisa compreender que é ele quem vai conseguir a solução (ele é o herói). Para que isso aconteça é preciso passar a autoridade apresentando um plano de ação para que o cliente encontre uma solução definitiva. Isso fará com que o cliente sinta que os riscos são menores, além de criar um elo de confiança, uma conexão.
O caos enquanto criatura a ser combatida
Tudo que está relacionado ao caos é negativo. O caos assusta, o caos paralisa, o caos é difícil de ser combatido. Mas ele só é difícil de ser combatido quando você não sabe o que está causando esse caos. Quando você entende quais são os problemas que você precisa enfrentar, ele não assusta tanto assim. Quando você sabe o que é preciso fazer para vencê-lo, ele se torna impotente, controlado e passa a fazer parte de um mundo comum do seu Cosmos.
Se o cosmos é aquilo que conhecemos e tudo aquilo que não temos conhecimento, que não entendemos, que não sabemos de que forma que pode vir a ser, é o caos, é o vilão da nossa narrativa de vida. Adquira conhecimento e comece a combater a criatura aos poucos. Se você tem um problema, dê um nome para esse problema, transforme ele em um monstro a ser combatido (não faça isso com pessoas, não quero que saia agredindo os outros), e verá que tem mais força do que imagina. Primeiro, porque você vai estudar maneiras de vencer essa dificuldade; depois, porque vai perceber que, com exceção da morte, você não tem problemas realmente, são criações impostas pela sociedade, que você mesmo criou quando gastou mais do que devia no cartão, ou fatalidades como acidentes, enchentes, terremotos, mas aí é um caos bem maior que foge do seu controle.
Tudo aquilo que você pode organizar no cosmos, como o seu tempo, o seu recurso financeiro, as suas conexões pessoais e afetivas, os seus estudos, a sua saúde, seu lazer, se está em caos, é porque ainda não deu um nome e colocou na lista de vilões para ser combatido.
No meu aprendizado de vida, a procrastinação é o verdadeiro vilão. O tempo vai passar, e vai chegar um momento em que a morte vai te alcançar, é bom que você tenha organizado a própria vida para ser vivida como deve, em sua plenitude.
Atenciosamente
Prof. Dr. Reginaldo Osnildo
Referências
BANDEIRA, Pedro. Robin Hood: a lenda da liberdade. São Paulo: Quinteto Editorial, 2003. Ilustrações de Marcos Guilherme.
BAUMAN, Zygmunt. Medo líquido. Rio de Janeiro: Zahar, 2008. Tradução de Carlos Alberto Medeiros.
CAMPBELL, Joseph. O herói de mil faces. 10. Ed. São Paulo: Cultrix; Pensamento, 1997. Tradução de Adail Ubirajara Sobral.
DUMAS, Alexandre. As aventuras de Robin Hood: edição comentada. Rio de Janeiro: Zahar, 2014. Tradução, apresentação e notas de Jorge Bastos.
DURAND, Gilbert. As estruturas antropológicas do imaginário. 4. Ed. São Paulo: Martins Fontes, 2012. Tradução de Hélder Godinho.
LOBATO, Monteiro. Robin Hood: tradução e adaptação. 6. ed. São Paulo: Brasiliense, 1980.
MAFFESOLI, Michel. O instante eterno: o retorno do trágico nas sociedades pós-modernas. São Paulo: Zouk, 2003. Tradução de Rogério de Almeida e Alexandre Dias.
MILLER, Donald. Storybrand: crie mensagens claras e atraia a atenção dos clientes para sua marca. Rio de Janeiro: Alta Books, 2019. Tradução de Carlos Bacci.
NIETZSCHE, Friedrich Wilhelm. A genealogia da moral. São Paulo: Escala, 2005. Tradução de Antonio Carlos Braga (Coleção grandes obras do pensamento universal ; 20)
PYLE, Howard. As aventuras de Robin Hood. São Paulo: Martin Claret, 2009. Tradução de Luiz Fernando Martins.
RICOEUR, Paul. O mal: um desafio à filosofia e à teologia. Campinas: Papirus, 1988. Tradução de Maria da Piedade Eça de Almeida.
Reply