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As palavras que abrem portas: o poder das boas-vindas [sobre as fronteiras invisíveis]
Quando passei por uma árvore muito antiga e seus galhos que iam até o chão, tive a sensação de que a árvore estava criando um portal, uma porta mágica. E é isso que eu trago no texto de hoje. Boa leitura.

Saudações,
Uma das técnicas que eu utilizo para escrever é falar enquanto o aplicativo digita o texto para mim. Ensinei isso para meus alunos e sei o quanto isso facilita e aumenta a produtividade. Só que melhor do que ser produtivo é ser assertivo. E toda vez que eu escrevo com essa técnica, eu sinto como se eu estivesse literalmente falando diretamente para você que me lê aqui. Portanto, deixa eu te contar algo que aconteceu comigo ontem quando estava indo para a Universidade do Sul de Santa Catarina, onde sou professor. Quando passei por uma árvore muito antiga e seus galhos que iam até o chão, tive a sensação de que a árvore estava criando um portal, uma porta mágica. E é isso que eu trago no texto de hoje.
Boa leitura.
Quando somos convidados para a casa de uma pessoa, isso nos deixa muito felizes porque o interior de uma residência é algo sagrado, e as pessoas limitam quem tem acesso a esse interior. É a intimidade da pessoa que está refletida na própria casa. Frases como “não repara a bagunça” e “essa semana foi uma loucura” têm o poder de proteger o dono da casa e proteger suas fragilidades. Assim como frases como “seja bem-vindo” e “sinta-se em casa” têm o poder de proteger o estrangeiro (o que é de fora) que passa pelo limiar e ingressa na residência.
Essas frases, soltas no relacionamento cotidiano, têm o propósito de mudar o estado de espírito de quem adentra o ambiente, mas também de limitar dentro daquele ambiente quem é que dita as regras. Claro que não com a agressividade de algo como “Se a minha casa está bagunçada é problema meu, se você quiser reparar é problema seu” ou nas entrelinhas como “Se eu digo para que você fique à vontade é porque eu estou tentando de alguma forma te abraçar, se eu digo e você ainda não acredita não há nada que eu possa fazer”. É um rito de boas-vindas sutil, e as pessoas não levam tão ao pé da letra, mas inconscientemente há esse limite imposto ou quebrado.
Ah, Reginaldo, está exagerando, não é bem assim, você pode estar pensando. E eu digo que é seu direito discordar (e cá estou limitando ou abrindo o espaço para que interfiras). E se esse texto viralizar e as pessoas invadirem minha vida pessoal me agredindo por minhas opiniões? Não estariam rompendo o limiar? As palavras são sagradas e deveriam ser escolhidas antes de serem proferidas. Claro que a gente sabe que não é o que acontece.
Em um lar colocamos nossas regras, o tapete em nossa porta com a frase que quisermos, o quadro na cozinha com a frase que quisermos, e está tudo bem, é o nosso lar, nosso refúgio, nosso ambiente sagrado que nos permite repelir os maus olhados, seja qual for a simpatia que tivermos escolhido. É onde nos sentimos bem. Mas esse comportamento também é replicado na sociedade. Portais de cidades trazem na sua entrada um “seja bem-vindo” e na sua saída um “volte sempre”, é uma maneira de estabelecer uma passagem pelo limiar em um mundo de fronteiras invisíveis e criar essa mudança de estado de espírito.
Arnold Van Gennep, em sua obra Os ritos de passagem: Estudo sistemático dos ritos da porta e da soleira, da hospitalidade, da adoção, gravidez e parto, nascimento, infância, puberdade, iniciação, ordenação, coroação, noivado, casamento, funerais, estações, etc., faz a seguinte colocação ao discorrer sobre sociedades antigas:
“Frequentemente o limite é marcado por um objeto, poste, pórtico, uma pedra em pé ( marco, termo, etc.), que foi colocado nesse lugar com acompanhamento de ritos de consagração. A proteção da proibição pode ser imediata ou mediata ( divindades das fronteiras, representadas, por exemplo, nos kudurrus babilónicos; Hermes, Príapo, etc., divindades dos marcos, etc.). Pela colocação ou fixação cerimoniais dos marcos ou dos limites ( charrua, pele de animal cortada em correias, fosso, etc.), um espaço determinado do solo é apropriado por determinado grupo, de tal maneira que, sendo estrangeiro, penetrar neste espaço reservado é cometer um sacrilégio, do mesmo modo que, sendo profano, penetrar em um bosque sagrado, em um templo, etc. […] O mesmo ainda acontecia no que diz respeito ao território das cidades gregas, de Roma, etc. A proibição de penetrar num território desta espécie tem, portanto, o caráter de interdição propriamente mágico-religiosa, interdição expressa por meio de marcos, muros, estátuas no mundo clássico, e por meios mais simples entre os semicivilizados. Não é preciso dizer que estes sinais não são mais colocados em toda a linha fronteiriça, assim como também entre nós não são os postes, mas somente nos lugares de passagem, nos caminhos ou nas encruzilhadas. […] Qualquer pessoa que passe de um para outro acha-se assim, material e mágico-religiosamente, durante um tempo mais ou menos longo em uma situação especial, uma vez que flutua entre dois mundos.“
Esses portais, portas, pórticos, seja qual nome queira dar, hoje têm, além de separar o mundo de fora do nosso mundo particular, o objetivo de ser turístico. Em nossas jornadas pessoais, como heróis de nossas próprias vidas, nos passeios ou nas conquistas, registramos selfies dos locais que visitamos, nossa maneira de mostrar ao mundo nosso triunfo. Quantas fotos você já viu de seus amigos no portal de entrada de Gramado? Já tinha parado para pensar sobre isso? É a conquista do herói que quer compartilhar que venceu, que chegou lá.
Mostrar para os outros, nas redes sociais, o interior de um hotel, restaurante, o prato que é servido, as acomodações, hoje tem o poder de despertar o interesse das pessoas de visitar tal ambiente. É uma estratégia de divulgação que surte efeito, é convidativa. E assim, como o herói do cotidiano mostra a jornada que percorreu para divulgar sua conquista, também o faz para inspirar/instigar o outro.
Amanhã, continuo essa conversa sobre a passagem pelo limiar. Hoje foi apenas uma provocação.
Atenciosamente,
Prof. Dr. Reginaldo Osnildo
PS: Sinto que há vezes que você lê esse texto em seu refúgio e tem vontade de opinar sobre. E olha que legal, eu adoraria ler. Aguardo seu feedback.
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