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Reconhecer o erro é fundamental para aprender, mas é a parte mais difícil do aprendizado

Os quatro anos que permaneci como cobrador de ônibus foram literalmente uma faculdade da vida para mim.

Saudações,

Você já parou para pensar que o erro é uma escolha? É meio paradoxal que a pessoa vai escolher cometer erros. Mas e e quando o erro é uma escolha que muitas vezes nem percebemos que estamos fazendo? Essa é a reflexão que eu trago hoje.

Boa leitura!

A história que vou contar aconteceu comigo. É uma história do tempo em que eu era cobrador de ônibus. Aliás, tem várias histórias que ainda não compartilhei por aqui, mas que vou trazendo aos poucos.

Lembro que era verão.

Eu trabalhava na Paulotur, uma empresa que hoje não existe mais. O horário que eu estava fazendo saía às 9h da manhã de Garopaba e ia em direção a Florianópolis. De Garopaba, passávamos por algumas cidades, como Paulo Lopes, Palhoça e São José até chegar à capital.

Nesse itinerário, costumávamos pegar grupos de passageiros específicos que subiam e desciam sem completar o trajeto inteiro. Uma grande parte embarcava em Garopaba e descia em Paulo Lopes, outra parte subia em Paulo Lopes e uma terceira parte embarcava no acesso à Guarda do Embaú. Alguns poucos faziam o trajeto completo de Garopaba a Florianópolis.

Vez ou outra, o ônibus ficava superlotado.

E eis que, neste verão em questão, com muitos turistas saindo de uma praia para outra, como de Garopaba para a Guarda do Embaú, por exemplo, vivenciei mais um desses horários superlotados.

E aqui entra a personagem da minha história.

A empresa em que eu trabalhava já estava um pouco sucateada, então, vez ou outra, nós tínhamos um ônibus bom, e vez ou outra, não tão bom assim.

Nessa experiência negativa que tive, estávamos com um ônibus não tão bom, estava muito quente, o ônibus estava superlotado, e eu resolvi, por sugestão dos passageiros, abrir as tampas que davam circulação de ar no ônibus, duas tampas que ficavam no teto (nenhuma norma da empresa impedia que eu abrisse as tampas).

No calor, com o ônibus lotado, a passageira que tinha entrado (uma pessoa que eu nunca tinha visto até então), e que é o motivo da reflexão de hoje, me chamou. Eu era cobrador de ônibus, mas não só isso, eu era o melhor cobrador de ônibus da empresa, porque é isso que temos que fazer quando estamos desempenhando a nossa função, seja ela qual for. Prestativo, fui até ela.

Nem cheguei a parar na frente dela, e já comecei a ser agredido. Ela gritava que ia me processar porque eu não tinha autorização para abrir as tampas que davam a circulação de ar, que ela ia ficar doente, que era culpa minha, que eu ia ter que pagar pelo tratamento, que o filho dela era advogado e o irmão dela era juiz, e que eu estava, desculpe a expressão, "ferrado" na mão dela.

Imagina meu desespero, ganhando menos de R$1.000 (mil reais) por mês, tendo que indenizar alguém que aparentava realmente ter dinheiro, e aparentava ser mãe de quem era e irmã de quem era. Eu comecei a pensar o que eu ia fazer, não tinha muito que fazer nessa situação porque ela poderia realmente me processar, eu estaria bem complicado.

Eu até tentei argumentar que eu fiz isso para um bem maior, para o bem de todos, mas ainda assim ela gritava. Não adiantava discutir com ela, dizer que ela estava errada.

Foi então que usei o poder da comunicação.

Fui até a frente do ônibus, peguei na minha mochila um pedaço de papel e uma caneta, e me dirigi aos passageiros do ônibus.

Comecei lembrando àqueles que pegavam o ônibus todos os dias comigo o quanto era prestativo, o quanto eu os ajudava a colocar suas bagagens, o quanto eu os ajudava a subir no ônibus, o quanto eu os tratava com respeito, com educação, com afeto. Depois de lembrar tudo isso, eu reforcei a minha fragilidade, enfatizei que eu não teria condições de pagar um advogado naquele momento se eu fosse processado, e com certeza eu teria sido condenado a pagar uma indenização porque a família daquela mulher tinha influência.

Diante disso, pedi a todos os passageiros que, se estivessem à disposição para testemunhar a meu favor, relatando que eu não fiz nada para ofender aquela mulher, que colocassem seu nome completo e telefone na folha de papel que passaria da primeira poltrona para trás.

Não lembro quantas assinaturas eu consegui, mas foram muitas. Preencheram os dois lados da folha. O mais engraçado é que as pessoas gritavam do fundo do ônibus: "Cobrador, eu também quero assinar".

Quando estava munido da folha em mãos, ainda no trajeto, isso acontecendo em pouco mais de 20 minutos, desde a agressão dela até as pessoas preencherem a folha, aí eu ter essa folha em mãos, eu não precisei me dirigir a ela. Eu apenas falei em voz alta que agradecia às pessoas que tinham se disponibilizado a serem minhas testemunhas, caso de alguma forma eu fosse acusado injustamente.

E aqui vem a lição que essa mulher me ensinou. Ela acreditava que estava certa, que estava fazendo o que era certo, ela não achava que era uma atitude errada. Pelo contrário, pelo fato de ter um filho advogado, um irmão juiz, ter poder, aquilo para ela era normal. O erro se tornou normal, e essa é a parte mais difícil do aprendizado: reconhecer que está errado.

Os quatro anos que permaneci como cobrador de ônibus foram literalmente uma faculdade da vida para mim.

Eu aprendi a lição, espero que ela também. E você? O que faria no meu lugar?

Atenciosamente,

Prof. Dr. Reginaldo Osnildo

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